Antes de mais nada, desculpem o sumiço por aqui. Os projetos de consultoria, palestras, a revista e outros temas profissionais tem tomado grande parte do meu tempo. Mas cá estou, para compartilhar alguns insights com os amigos de profissão e LinkedIn.
O vetor da idade
Em muitas palestras, artigos e documentários em todo o mundo, o tema “envelhecimento da população” é apresentado como um importante agente de mudança nos hábitos e preferências dos consumidores. Avanços da medicina, especialmente nas áreas de genética e biotecnologia tem aportado um número cada vez maior de anos à expectativa de vida média do ser humano e, porque não dizer, com uma qualidade também crescente.
Quando a bióloga molecular australiana Elizabeth Blackburn foi agraciada em 2009 com o prêmio Nobel por sua pesquisa sobre os processos para deter e retroagir o envelhecimento humano (O efeito Telômero), ficou bastante claro que o processo de envelhecimento passara a ser tratado não mais como algo natural, factual, mas sim como uma doença passível de tratamento e, em algum dia num futuro não muito longínquo, totalmente curável (a bem da verdade, estudos médicos e científicos sérios e o projeto Gilgamesh – a ciência em busca da imortalidade – já apontam que, em meados de 2050, alguns humanos já serão a-mortais; não morrerão de envelhecimento e causas naturais, mas ainda podem ser vítimas de acidentes fatais).
O aumento da longevidade impacta a economia (principalmente, como já temos visto, o sistema previdenciário), o sistema de saúde público e privado, a força de trabalho e as relações trabalhistas, a formação de poupança e investimento nacional e tudo o que se refere ao consumo das famílias. Talvez o melhor exemplo dos impactos da longevidade em uma sociedade venha do Japão. No último censo realizado em 2015, concluiu-se que 26,7% da população japonesa consiste em idosos com 65 anos ou mais. Por sinal, espera-se que este número beire os 33% (um terço) até 2035 e 40% até 2060.
A primeira coisa que o Japão está reavaliando seriamente (uma iniciativa coordenada por médicos e professores universitários da Sociedade Japonesa de Gerontologia) é a idade na qual um cidadão deve passar a ser considerado um idoso. De acordo com um relatório da NHK World, a idade de aposentadoria no Japão – 65 anos de idade – está sendo reavaliada para possíveis 75 anos, uma década mais tarde.
Ainda neste ano, pudemos sentir na pele o impacto de medidas semelhantes, com a proposta de mudança na idade mínima e no tempo de contribuição para a aposentadoria no Brasil. Para que uma nação incorpore qualquer mínima mudança nesse aspecto, é preciso uma estrutura adequada (o que nós, brasileiros, infelizmente não possuímos) de emprego, nutrição e saúde, bem-estar físico, psicológico e social e, mais do que nunca, uma previdência infalível.
Não só o governo e as empresas precisam estar preparados para esta realidade inexorável do aumento da expectativa de vida e do número de pessoas mais velhas e ativas economicamente. Os produtos, suas embalagens, rótulos, etiquetas e toda a comunicação impressa (e eletrônica) precisa ser ajustada para este público.
Em uma edição anterior da ProjetoPack em Revista, trouxemos à tona o fato de que os textos minúsculos estampados na maioria das embalagens são um empecilho aos consumidores acima dos 60 anos de idade, período em que a fadiga visual e o envelhecimento dificultam em muito a leitura. Identidades de marca mais ousadas e recognoscíveis, gráficos e ilustrações que falem mais sobre o produto e menos texto podem, por exemplo, ajudar os consumidores mais velhos em seu processo de tomada de decisão para a compra.
As embalagens também precisam ser concebidas para um manuseio facilitado. Abrir e fechar não pode ser algo dificultoso. A Fisher-Price, por exemplo, desenvolveu novas embalagens junto à Amazon (gigante do varejo online) para alguns de seus brinquedos, a fim de evitar a “raiva” ao abrir. Quantos avôs e avós compram brinquedos para seus netos e, na hora de abrir para desfrutarem juntos, acabam frustrados com a tremenda dificuldade de desembalar?
Os dispositivos de abertura fácil ( easy open) são cruciais na readequação das embalagens e criam valor não só para consumidores da terceira idade, mas para todo mundo.
Muitos idosos usam a internet para buscar informações sobre os produtos que pretendem adquirir e compram-nos tanto online quanto nas lojas físicas. Mas normalmente, evitam as gigantescas lojas do grande varejo e cultivam o hábito de comprar mais vezes, em menor quantidade (mais ajustadas à demanda diária). Esta forma de consumir deu origem aos pequenos mercados de bairro, estrategicamente localizados e cujo layout já considera um público mais velho, com prateleiras mais baixas, melhor sinalização, áreas com assentos para descanso, serviço de transporte das sacolas até o estacionamento (ou entrega em casa) e um arranjo de produtos diferenciado, no qual as categorias mais consumidas pelo público idoso está meticulosamente distribuída no centro da gôndola, melhorando a ergonomia. Os próprios carrinhos do supermercado, em algumas destas pequenas lojas, já foram redesenhados – dos grandes, pesados e desajeitados carrinhos de metal com rodas propensas ao travamento – para carrinhos menores, mais leves e confeccionados em plástico. A rede francesa Saint Marché é um bom exemplo de varejo que entende estas necessidades particulares.
Toda esta forma de pensar configura uma nova área do comportamento do consumidor e do marketing: o chamado Mature Marketing ou “Marketing da Maturidade”. Um dos grandes dilemas desta disciplina é compreender estas diferenças, corrigir as estratégias dos donos das marcas, aperfeiçoar seus produtos e serviços sem, contudo, fazer com que os consumidores se sintam rotulados ou, de alguma forma, ultrapassados.
Também já falamos sobre outra disciplina que tem sido amplamente utilizada pelos grandes donos de marca em todo o mundo, não só para assegurar o desenvolvimento de embalagens ajustadas às necessidades da terceira idade, mas principalmente para tornar amigável a experiência da embalagem aos consumidores com restrições físicas variadas (deficiências audiovisuais e motoras). Trata-se do Inclusive Design ou “Design Inclusivo”.
David Wiggins, um pesquisador do Centro de Design da Universidade de Cambridge, em um trabalho bastante amplo sobre o design inclusivo e seus reflexos sociais (uma das suas grandes contribuições foi o conceito de PSR – Potential Support Ratio, um índice que mede a quantidade de pessoas entre 15 a 64 anos aptas e disponíveis para prestar apoio a uma de 65 anos ou mais) , concluiu que o “normal é ser diferente”, corroborando com um estudo de 2010 (Hosking, Waller e Clarkson), cuja conclusão era a de que 79% da população possui algum tipo de restrição física, tornando o design inclusivo não mais um diferencial ou mesmo uma inovação, mas sim um imperativo.
Na ocasião em que abordamos este tema pela primeira vez na ProjetoPack em Revista, citamos o exemplo da iniciativa encabeçada pela Nestlé, em parceria com o Centro de Pesquisa de Artrite da Austrália, no desenvolvimento de uma luva especial que simula as dificuldades de movimento de um paciente com artrite (neste caso, com foco na abertura e fechamento de embalagens). Esta ação desencadeou a revisão de inúmeras embalagens da Nestlé – um estudo de caso muito interessante do design inclusivo.
Nova comida, nova embalagem
Há muitos anos, quando comecei a dar palestras sobre o setor de embalagens flexíveis, tecnologias, tendências etc., foi algo natural passar a fazer algumas projeções. Com o passar dos anos e com mais experiência (principalmente em consultoria), estes vislumbres passaram a ser cada vez mais assertivos. Todavia, um deles foi totalmente equivocado: o de que o mercado de embalagens vai existir para sempre e crescer ad infinitum, até que não se invente um tele transporte da comida, da fazenda para o prato.
Não que eu desacredite no mercado de embalagens – muito pelo contrário – o que errei foi que o tele transporte de comida já existe e está em franca expansão: a impressão 3D de alimentos, onde a comida se “materializa” no seu prato. O restaurante FoodInk, em Londres, Inglaterra, é precursor e um bom exemplo disso: por aproximadamente £250 por pessoa, é possível desfrutar de uma experiência gastronômica molecular 100% produzida por impressoras 3D (a propósito, os talheres, mesas e cadeiras também foram “impressos”).
A Agência espacial americana NASA financiou em 2014 o projeto de uma companhia texana – a Systems and Materials Research Consultancy ou simplesmente SMRC – para a implantação de uma impressora 3D (o projeto chama-se 3D Printing Zero G Experiment) numa nave espacial e imprimir comida no espaço para seus tripulantes com um tempo de vida em prateleira de pelo menos 15 anos, dada a duração das viagens espaciais. A primeira iguaria impressa no espaço foi uma pizza.
A comida impressa tem recebido investimento e atenção em todo o planeta desde o advento da manufatura aditiva moderna, e o principal motivo não é o de alimentar astronautas, tampouco prover boas fotos ao Instagram de hypsters em um restaurante londrino. O principal fator que impulsiona este setor é a provável escassez de alimentos para os futuros 12 bilhões de seres humanos que estarão transitando por aqui até o fim deste século.
O problema da falta de comida para todas as bocas (tanto as humanas quanto dos animais domésticos e selvagens) é algo que movimenta bilhões de dólares por ano em pesquisa, start-ups e ideias para diminuir ou mesmo eliminar o problema em algumas décadas. Isso permeia desde a criação de insetos em fazendas (como a Big Cricket Farm, que dedica-se à criação de insetos exclusivamente para o consumo humano, um mercado que já ultrapassa os USD 20 milhões anuais) e uma infinidade de outras comidas “alternativas”, até a incomensurável indústria do bio processamento de comida em laboratório; um bom exemplo é a fabricação de carne a partir de células musculares especiais (myosatellite cell) extraídas de animais vivos – ou como diz uma das pioneiras no tema, a Memphis Meat, “da placa Petri para o prato”.
Todo esse universo de ficção científica ganha mais materialidade e relevância a cada dia que passa. Por si só, não pode mais ser ignorado ou desprezado. Mas o mais importante é que estas mudanças todas são sistêmicas e impactam mais ou menos em todas as áreas da indústria e da sociedade, incluindo a nossa. A preocupação com o que vamos comer (e se vamos de fato ter o que comer) desencadeou novos comportamentos sociais e despertou um conjunto de preocupações nos consumidores que, há menos de uma década, eram vistos com certo escárnio ou desdém pelos CEO’s das companhias. Uma destas preocupações foi a sustentabilidade, por exemplo, pois todas as empresas hoje sentem o peso desta preocupação social e gastam bilhões anuais para adequarem-se à demanda, algo bem diferente de quando todos pensavam ser mais um modismo e os consumidores preocupados, tão somente “ecochatos”.
Os consumidores começaram por buscar embalagens mais sustentáveis. Isso se traduzia, inicialmente, em embalagens um pouco mais explicativas (Storytelling) que informassem algo sobre a procedência das matérias-primas e da gestão da sua cadeia produtiva, passou rapidamente a exigir por certas “validações e acreditações” sobre o seu impacto ambiental, começou a ensejar por conceitos mais sofisticados como logística reversa e economia circular e, por fim, passa a engendrar coisas como embalagens integralmente comestíveis (full edible packaging), o auge da sustentabilidade.
O filme produzido a base de proteínas, por exemplo, tem excelentes e versáteis propriedades de barreira e tem recebido aportes bilionários em pesquisa e desenvolvimento em diversos países. Há de tudo um pouco: linhas científicas exploratórias que preconizam o uso de mistura de algas e cálcio, alimentos (em geral frutas e oleaginosas) desidratados e estratificados em filmes com o auxílio de nano materiais ligantes (a própria Embrapa lançou um filme de embalagem a base de mamão papaya e canela alguns anos atrás, que oportunamente divulgamos na revista) e uma infinidade de outros substratos de origem animal ou vegetal.
Outro negócio em atividade que diminui a relevância da embalagem chama-se Original Unverpackt (originalmente desembalado) – a primeira mercearia moderna sem embalagem – também citada em nossas páginas tão logo foi idealizada e aberta por suas co-fundadoras Sara Wolf e Milena Glimbovski, na Alemanha. O conceito “fill-your-own-container” (preencha o seu próprio recipiente) remete à época em que comprávamos tudo a granel e ensacávamos em papel comum ou encerado. Basicamente, este retorno às origens só está mais robusto, com consumidores levando Tupperware®, além dos sacos de papel tradicionais, distribuídos na loja.
Na edição da ProjetoPack de número 45, cujo tema central eram embalagens ativas, inteligentes e interativas, outra vertente do que se espera da embalagem do amanhã (que é hoje), redigi um editorial com algumas poucas linhas que completam bem o raciocínio até então:
As funções básicas da embalagem envelheceram e não são mais suficientes para o consumidor das novas gerações e para as necessidades mais complexas da nossa sociedade atual e interconectada. Conter, proteger, transportar, identificar, e mesmo vender já são algo trivial no universo da embalagem 2.0.
As embalagens do amanhã devem fazer mais pelo produto e pelo consumidor. Devem ser ainda mais personalizadas. A Coca-Cola do José e da Maria foi só o começo. Aliás, as embalagens precisam melhorar o produto. Eliminar sabores e aromas indesejáveis, mantê-los em condições propícias ao consumo por mais tempo do que nunca, precisam esquentar ou esfriar o alimento sem a necessidade de forno, fogão ou geladeira. Devem informar o consumidor sobre tudo e a qualquer instante. Mas não aquela informação chata e em letrinhas miúdas no verso. Ela precisa mandar um WhatsApp no celular dele, com mensagens do tipo “Produto quase vencido! #partiucomprarmais? ”
É possível que a sua embalagem vá mandar um alô para você na sua rede social, quem sabe ainda curtir uma postagem sua ou uma foto no Instagram? E esqueça as embalagens estáticas no ponto-de-compra. Elas formarão painéis inteligentes e dinâmicos, com a massificação da eletrônica impressa e orgânica, a custos cada vez mais competitivos. A foto da menina perdida no verso da caixa de leite longa vida vai virar um vídeo da família pedindo a sua ajuda. Vai virar um programa de tv interativo, com receitas culinárias e quiçá, um bate-boca entre duas marcas na prateleira do supermercado.
As embalagens não serão mais as vendedoras do produto. Elas serão também as responsáveis diretas pelo marketing, logística, pesquisa e desenvolvimento e muito mais.
Nada mais justo que, num instante em que cientistas em todo o mundo passam a considerar seriamente a revisão de definições importantes sobre o que é vida, o que é humanidade, o que é ser idoso, o que é ser mortal, o que é ética (à luz da biogenética, da robótica e da inteligência artificial) e o que é comida, a embalagem e tudo que a ela concerne seja também, alvo de questionamentos profundos.
Apesar das poucas menções nos livros de história, a embalagem certamente esteve presente em todas as fases evolutivas da nossa espécie. Enquanto caçadores coletores e no início da chamada revolução cognitiva (como bem relata o professor e historiador israelense Yuval Noah Harari em seu brilhante livro Sapiens – uma breve história da humanidade), os nossos antepassados precisavam conter os itens coletados aqui e acolá e transportá-los na jornada até o local da próxima coleta. Com a revolução agrícola, fixamo-nos mais à terra e passamos a cuidar da colheita. As embalagens ampliaram seu espectro funcional para proteger e conservar.
Veio a revolução científica. Com ela e a produção em massa de bens, era preciso identificar os produtos e vende-los em seguida. Desde então, em espaços cada vez mais curtos de tempo, adicionamos mais e mais complexidade. Ao ponto de que, hoje em dia, muitos consumidores querem menos. Voltamos a era do “menos é mais”.
Embalagens-robôs e embalagens virtuais
Ao dar um passeio sobre a edição especial de 2014 da revista, inteiramente dedicada às embalagens ativas, inteligentes e interativas, percebi que a maioria dos recursos outrora descritos como “novas tecnologias” – realidade aumentada, código QR, Etiquetas de Radiofrequência (RFID), Indicadores de Tempo e Temperatura (TTI’s), Indicadores de Frescor dos Alimentos, Indicadores de Atividade Microbiológica e tantos outros – já foram incorporados ao cotidiano e, quando não são massivamente empregados na indústria, é somente por conta do estágio atual de maturidade, onde os custos são elevados por conta da escala ainda reduzida. Todavia, as tecnologias existem e estão consolidadas (enquanto algumas serão meros trampolins disruptivos).
No que tange às tecnologias ligadas à interatividade e ao cruzamento das mídias, o consumidor espera encontrar embalagens mais conectadas. E, de fato, aquilo que iniciou com uma iniciativa tímida do marketing em criar uma persona virtual para o produto (páginas nas diversas redes sociais, vídeos e animações despojadas no YouTube e Vimeo, memes e outros virais, games, campanhas promocionais que estimulam o consumidor a interagir com as embalagens etc.) ganhou uma dimensão bastante heterogênea e relevante, uma verdadeira “ampliação do produto”, para usar um pouco o jargão do marketing.
Mas em sua maioria, estas ações só funcionam se vencerem o cutter (a dessensibilização dos consumidores por conta da quantidade de mensagens e apelos publicitários cotidianos) e realmente levarem o consumidor do produto à ação: pegar um smartphone e fotografar um código QR na embalagem, por exemplo. Só então a roda gira e a embalagem torna-se digital.
Minutos depois, a embalagem vazia pode ir à lata de lixo, mas continua viva, ao invadir uma área mais pessoal e rica de informações do consumidor do que o interior apertado da geladeira ou a própria lata de lixo: a embalagem ingressa na identidade digital de quem a consumiu, acessando suas preferências, convicções políticas e religiosas, humor, sexualidade, monitora amigos com gostos parecidos ou não, amigos dos amigos, as suas “infidelidades para com a marca ou produto” e assim por diante.
Num episódio fantástico de Black Mirror intitulado “The Waldo Moment” (no Netflix, onde uma realidade distópica assusta os telespectadores com os medonhos efeitos colaterais que a tecnologia nos trouxe e ainda nos trará), um ator que personifica uma mascote virtual – um urso azul chamado Waldo – ganha tanta força e audiência que transcende a internet e passa a afetar a esfera política e as eleições, ao declarar guerra a um candidato, superando inclusive seu criador e animador. É de se pensar que, muito em breve, marcas e produtos podem ter seus momentos Waldo – e o principal portador da mensagem será a sua embalagem.
Este parágrafo pode parecer um desvio do assunto, mas foi proposital. Para fazer um consumidor agir, a embalagem será cada vez mais ativa. Ela não pode somente confiar que o consumidor esteja no ponto de compra, focado, concentrado e, após ignorar todos os demais vizinhos de gôndola e estímulos do ambiente, a coloque no carrinho, pague e saia do supermercado. Quando chegar em casa, também não pode contar com a sorte de que este consumidor vá entrar no site do produto, ler um código QR ou curtir sua página no Facebook. A embalagem precisará agir, à revelia do consumidor. Ela precisa acessar seu celular sozinha, dizer “me compre”, informar a geladeira que é preciso repor seu estoque, acessar suas redes sociais e tudo o mais. Muito disso será feito da mesma forma que se dá poder a um Google ou a um Facebook – autorizando “políticas de privacidade” ou coisa parecida.
Imaginemos a casa do consumidor como uma fortaleza a ser invadida, com muitas defesas e também pontos fracos. A todo instante, hordas de mensagens publicitárias de empresas querendo vender coisas tentam adentrá-la. Ao invés de aríetes ou escadas de madeira, forçam passagem com spam, cookies, malas diretas impressas e folhetos nas caixas de correio ou embaixo da sua porta. No lugar de catapultas e trebuchets, anúncios ininterruptos na programação de rádio, TV, tablet, smartphone, videogame, computador, no navegador, site de busca, redes sociais, mensagens SMS, ligações inoportunas na manhã de domingo e carro de som estacionado e urrando jingles e melodias de gosto duvidoso.
A cada invasão sofrida, as defesas vão sendo reforçadas e as vulnerabilidades, mitigadas, ao mesmo tempo em que as estratégias de ataque vão se tornando mais mirabolantes e sutis. A força bruta dá lugar à inteligência. Ao invés de trombar o portão da frente com um aríete, sob uma forte saraivada de flechas, pedras e água escaldante, os invasores preferem mandar de presente, um belo Cavalo de Tróia. Anúncios tediosos que não sobrevivem ao zapear do controle remoto transformam-se ardilosamente em product placement (posicionamento de produto) e, nem o serviço de streaming de vídeo, supostamente uma safe house, um local seguro da tirania publicitária, esfrega na sua cara dezenas de produtos minuciosamente colocados no pano de fundo das suas séries preferidas.
Existe um Cavalo de Tróia mais invasivo e discreto do que as embalagens que o dono do castelo traz consigo diária e voluntariamente após ir ao supermercado e espalha por todos os aposentos – da geladeira, despensa, armários, nécessaire, bolsa, mochila e lancheira das crianças até o porta-luvas do carro? Certamente que não. Esse é o ponto. A embalagem vai, num futuro não muito distante, explorar melhor a oportunidade.
A embalagem também vai ser, em muitos dos casos, chefe da fábrica. A IoT (Internet of Things) ou Internet das Coisas avança irrefreável e velozmente, amparada por bilhões e bilhões de dólares em pesquisas e subsídios de governos com economias industriais ainda fortes (Alemanha, Japão, Coréia, EUA, China, França etc.) e temerosas pela falta de mão-de-obra qualificada e suficientemente motivada para dedicar uma vida toda no chão-de-fábrica. A inteligência artificial e o aprendizado avançado das máquinas corroboram para que não só objetos (tais como os veículos autônomos que devem ocupar as ruas, os céus, as superfícies das águas e as suas profundezas, superando em número e destreza os seus pares guiados por humanos em pouco mais de uma década) ganhem vida própria, mas linhas de produção e até mesmo fábricas inteiras. Uma das vedetes na Interpack deste ano (uma das maiores feiras de tecnologia de embalagem do mundo) serão as integrações de IoT às linhas de envase e empacotamento.
Um efeito colateral digno de menção é que, quanto mais inteligente, ativa e interativa se tornar uma embalagem, mais vulnerável às práticas de hacking ela estará. Os perigos reais de uma embalagem hackeada ainda não são claros, mas em breve o serão e isso deve afetar não só um consumidor desavisado (que poderia ter, por exemplo, sua geladeira controlada por uma caixa de suco), mas ter impactos terríveis numa linha autônoma de envase (incidentes como soda cáustica em caixa de achocolatados podem não ser mais um acidente, mas fruto de um “cyber ataque”).
Como preservar o segredo da fórmula da Coca-Cola, se dosadores automáticos interconectados e geridos por softwares e sensores pode ser acessado remotamente e informar com precisão absoluta quais elementos e em que quantidades foram misturados em um recipiente?
Outro argumento importante deste tópico diz respeito à embalagem virtual, quase etérea. O protagonista da adaptação para o cinema dos quadrinhos “V, for Vendetta” (Alan Moore) já dizia que “Atrás dessa máscara, há uma ideia. E ideias são a prova de balas”. Talvez por isso, a mesma máscara tornou-se símbolo do maior movimento de ciberativismo do planeta – Anonymous.
Uma embalagem que transcende o mundo analógico e passa a habitar o mundo digital também vira um conceito, nada menos do que a ideia original e arquetípica, a sua gênese imaterial.
Pense num consumidor sentado à frente do seu computador, conectado à internet e preparando-se para as compras da semana no site da sua rede varejista favorita. Não há toque, cheiro ou mesmo contato visual, a não ser a avaliação “fria” de algumas imagens do produto em perspectiva ou não, tratadas com software para eliminar o fundo das fotos e realçar os contornos. É possível fazer algum julgamento preciso acerca da proteção, barreira, facilidade de abertura e fechamento, usabilidade, ergonomia, contraste ou apelo visual respeito aos vizinhos de gôndola?
Muito provavelmente, nada ou muito pouco. A embalagem virtual passa a ser menos importante, no momento da decisão da compra, que os próprios mecanismos envolvidos na indução ao clique do mouse (layout do site amigável, navegação convergente, segurança transacional, fotografia, sistema de indicações etc.) e na retenção do cliente neste ambiente, potencializando as oportunidades de compra.
Um belo dia, deixamos de comprar produtos a granel. Se olhássemos sobre o prisma da psicologia evolutiva, dos nossos ancestrais caçadores-coletores herdamos uma preocupação imemorial pelo cheiro, tamanho, forma, ruído e imagem – principalmente as cores – de todo alimento que levamos à boca. A aproximadamente 100 mil anos, frutas, sementes, raízes, plantas e animais. Hoje, pillow pouches, stand-up pouches, caixas, potes plásticos, latas etc.; a cada novo salto evolutivo, certas faculdades atrofiaram com a cada vez menor dificuldade na busca por alimento. A jornada por uma iguaria no sopé da montanha de ontem foi substituída por uma troca de mensagens no aplicativo IFood ou uma ida à loja de conveniência da esquina.
Deixamos de nos preocupar tanto com o cheiro (pelo contrário, a maioria das embalagens bloqueia aromas internos e externos), com o peso, informado criteriosamente nas embalagens, a forma e o ruído (quem pode saber o sentimento de prazer vitorioso tinham nossos ancestrais ao conseguir abrir um coco usando uma pedra como ferramenta?) e, em partes, com a imagem. As embalagens que antigamente exibiam janelas para visualizar o produto foram gradualmente sendo trocadas por painéis impressos com imagens mais exuberantes que os produtos reais.
Mas ainda há produto e trabalho adicional em abri-lo, consumir e jogar fora. Sequer conseguimos eliminar o “inconveniente” de ir ao mercado e fazer nossas compras. Embora no Japão e em outros países da Ásia, proliferam as chamadas gôndolas virtuais em estações de metrô e ônibus – onde consumidores podem selecionar em telas sensíveis ao toque, imagens eletrônicas dos produtos de sua preferência, realizar a compra pelo celular e recebe-la na próxima estação ou na porta da sua residência.
Todos estes esforços para atribuir ainda mais comodidade ao consumidor podem ser disruptivos. A fronteira final pode ser mais próxima da experiência londrina do FoodInk. Os donos da marca comercializando impressoras de alimentos e bebidas Nestlé, máquinas dosadoras de cosméticos e sanitizantes Unilever ou impressoras 3D de medicamentos Roché. Sem contar as máquinas híbridas que posteriormente se tornarão multimarca, genéricas. É possível que cheguemos ao desinteresse total de ir às compras no mundo físico mais rapidamente do que o varejo vá se reinventar em algo mais lúdico, divertido e estimulante.
A embalagem colaborativa
O rockstar Jon Bon Jovi garante que ninguém passa fome, se morar próximo a Red Bank, New Jersey. O JBJ Soul Kitchen (Cozinha da Alma de Jon Bom Jovi) é um restaurante criado pelo astro, cujo menu não tem valor monetário. Para comer, você tem basicamente duas opções: você pode fazer uma doação aberta, de “acordo com o que seu coração mandar” ou ser um trabalhador voluntário no referido restaurante. Uma hora cozinhando, lavando pratos, limpando as mesas ou servindo os clientes dá direito a uma refeição para até três comensais. No ano passado, a JBJ Soul Kitchen serviu 11.500 refeições e atingiu a sua meta 50/50. Metade das pessoas pagou pelo prato com dinheiro e a outra, com o suor do seu trabalho.
Parafraseando o título do livro de Malcolm Gladwell, chegamos a um Tipping Point (Ponto de Inflexão Sociológico), onde os diversos modelos econômicos revelaram-se falhos de desagregadores, em um certo sentido. O Estado forte, o capitalismo selvagem, o nacionalismo exasperado, o populismo leviano, o monetarismo e o consumismo despropositados – todos levaram crise e sofrimento a alguém, em algum instante da história. De forma quase natural, novos modelos de interação economica começaram a surgir, de forma descentralizada e desorganizada. A economia colaborativa foi um destes modelos e, de alguma forma, empoderou os consumidores em todo o mundo.
Pessoas comuns que se aperceberam de que há moedas tão ou ainda mais importantes do que o “vil metal” ou o dinheiro de plástico (ou mesmo o dinheiro binário, como as BitCoins).
São as moedas do tempo atenção e empatia, talvez os bens mais escassos do mundo moderno de hoje.
Quando alguém decide doar seu tempo em um projeto, em troca do tempo de outrem, da sua atenção ou mesmo empatia, toda a base econômica colapsa. O Homo Economicus é descaracterizado e dá lugar a outro ser desconsoante (algo mais próximo do Homo Social), disposto a escambar coisas subjetivas em troca de mais subjetividade – e não de bens materiais por outros, como um “salário” por um quilo de sal.
A economia colaborativa desencadeia construtos sociais muito mais complexos do que um restaurante onde se come em troca de descascar batatas. A Wikipedia – o maior registro de conhecimento humano da história, com mais de 40 milhões de artigos, escrita em mais de 250 línguas, quase 5 milhões e meio de verbetes e redigida voluntariamente por milhares de pessoas há mais de 15 anos – é um ótimo exemplo do poder da colaboração. O compartilhamento de arquivos pela internet e entre computadores (em protocolos de rede P2P) remodelou toda a indústria fonográfica, o cinema, os games e a mídia impressa.
Com um pouco da ajuda Maquiavélica de corporações, o espírito colaborativo dos consumidores, somado ao seu desejo de ser notado e sentir-se especial, pôde ser manipulado e deu origem a produtos como por exemplo o aplicativo Waze. Motoristas colaborativos, com um pouco de gamification (estratégia de interação entre pessoas e empresas com base em incentivos que estimulem o engajamento do público com as marcas de forma lúdica*) dedicam boa parte do seu tempo a prover informações valiosas do trânsito a companhias que comercializam estes dados de formas variadas e lucrativas.
Nada nem ninguém consegue escapar do espírito colaborativo. Especialmente as empresas inteligentes, que veem na colaboração uma forma de economizar dinheiro e aumentar seus lucros. A inovação aberta é a apoteose da colaboração. Em um dia, uma empresa pode dispor de meia dúzia de bons cientistas e pesquisadores imbuídos de criar valor idealizando novos produtos ou aperfeiçoando os existentes. No outro, pode ter uma rede integrada, multicultural, multigeográfica e multidisciplinar de cientistas e pesquisadores trabalhando em um ou mais projetos ou dilemas da empresa, em troca de dinheiro, reconhecimento, superação pessoal, dignidade e status perante os demais colegas – algo que, ao menos em parte, nos faz lembrar o restaurante do primeiro parágrafo.
Os donos das marcas perceberam que é possível levar uma parcela desta incumbência de gerar novas ideias ou problemas não aos cientistas do mundo, mas aos cidadãos comuns. Quanto mais cérebros conectados, mais perto de uma ideia multimilionária a empresa estará. Posto em prática, uma marca de cerveja famosa cria uma campanha no YouTube para que os consumidores idealizem e produzam o vídeo publicitário a ser exibido na final da SuperBowl ou ainda, uma famosa marca de batatas e snacks faz campanha nas redes sociais em busca de novos sabores eletrizantes e paga royalties para o campeão mais votado por um período de um ano.
Grandes empresas FMCG (bens de giro rápido) como P&G e Unilever possuem já a sua própria plataforma de inovação aberta de embalagem, recebendo ideias e projetos diários, de todas as partes do mundo, vindas de profissionais autônomos, designers, pesquisadores, cientistas, fabricantes de embalagens e insumos, professores e alunos de cursos e universidades de cursos correlatos. Coincidência?
Últimas palavras
Vivemos um tempo que sempre almejamos em prosa e verso. O momento presente. Sempre fomos críticos, enquanto seres humanos, que é preciso não nos prender ao passado (e seus terríveis paradigmas), tampouco ansiar pelo futuro, incerto e angustiante. O que importa mesmo é o presente e nosso pedido foi, enfim, atendido.
Não podemos nos prender mais ao passado. Não temos mais tempo para estuda-lo e nem fontes fidedignas para tal. Não podemos mais fazer planos para o futuro ou ponderar a seu respeito, dado o ritmo frenético das mudanças.
Não conseguimos falar mais com ninguém a respeito deste e outros temas profundos e existenciais. Aos poucos que ainda conseguem se comunicar, há um muro impenetrável de distrações ao ouvinte e uma sobreposição de gerações tão diferentes entre si que, não só os filhos não entendem os pais, mas os filhos não entendem mais uns aos outros. Um ano de idade pode significar um abismo geracional intransponível.
O mesmo muro impenetrável de distração que afeta a nossa comunicação com o ouvinte, impede-nos de silenciar a mente para refletir, dar foco, concentrar-se em qualquer coisa, por mais que um breve e efêmero instante. Resta-nos, portanto e somente, o presente. Num cenário de presente inquebrantável, é hercúlea a tarefa de fazer previsões de qualquer natureza. Nestas horas, me ajuda evocar algum momento da infância e ir voltando a si.
Lembro-me adolescente, ouvindo Legião Urbana e Guns n’ Roses em meu walkman amarelo da Sony (à prova d’água), fechado no meu quarto. Na sala, minha mãe colocava a agulha da vitrola cuidadosamente posicionada sobre um disco de vinil do Johnny Rivers ou The Carpenters. Noutro aposento, meu pai ouvia um antigo rádio de pilha com capa de couro marrom, sintonizando com uma longa antena retrátil uma estação de música clássica.
Demorei um pouco para, em meados dos anos 90, migrar para o meu primeiro Diskman. Olhava uma coleção de caixas de sapato cheias de fitas cassete meticulosamente gravadas e editadas para que os comerciais da rádio fossem suprimidos (odiava, aliás, as rádios que enfiavam a propaganda no meio da música) e pensava na fadiga e no dinheiro de recomprar a coleção naquela nova mídia, bem mais cara e frágil. Mais um ano voou e passou a ser uma diversão garimpar com os amigos os sebos do bairro ou lojas especializadas na Galeria do Rock (London Calling e afins) em busca dos títulos mais raros para dar aquela “encorpada no acervo”. Posso estar enganado, mas uma das minhas duas irmãs – a mais nova delas – conheceu a música diretamente no Diskman, sem passar pelo toca-fitas. Um dia tudo mudou. Os CD’s podiam ser gravados, regravados e surgiam os primeiros tocadores MP3. Me lembro do dia em que, fascinado, fui apresentado a um programa de compartilhamento de músicas (LimeWire, se não me engano). Cheguei a ter mais de cinco mil músicas salvas no computador (outro aparelho que surgiria um pouco antes e foi ficando), que foram cuidadosamente transportadas ao primeiro Ipod que comprei, já na faculdade, e a uma dezena de pendrives e memórias SD.
Hoje, aos 37 anos, não tenho mais fitas cassete em casa. Nem ouço mais CD’s. Tenho uma assinatura de streaming da Google Play (seleciono as músicas que quero ouvir, as organizo em playlists mas não baixo mais em nenhum dispositivo, as deixo flutuando na “nuvem”). Meu filho Lorenzo, de dois anos de idade, desde sempre pegou no sono embalado com playlists personalizadas no Google Play, tocadas em looping no meu smartphone ou no da minha esposa.
Uma das minhas irmãs ficou no Spotify, a outra no Ipod, meu pai no rádio e no computador e minha mãe, no computador dela (sim, cada um tem o seu). No meu rol de amigos que garimpavam os sebos, há um ou outro que ainda busca o vinil ou a fita cassete, mas é algo bastante raro.
Daqui a 20 ou 30 anos, é bem possível que meu filho ouça música fazendo download da nuvem diretamente para implantes neurais ou subcutâneos. Os botões de avanço, retrocesso e play podem ser tatuagens na pele ou piscadelas para os seus óculos de realidade aumentada.
Na minha primeira infância, sequer pude imaginar uma embalagem de suco, refrigerante, vinho ou cerveja confeccionada em um material diferente do vidro. Não consigo precisar quando, mas um belo dia tudo virou plástico. Até o frasco de azeite extra virgem.
As embalagens plásticas flexíveis de arroz, feijão, açúcar, leite e todo o resto eram moles e acondicionadas no armário de fórmica da cozinha empilhadas, abertas com tesoura e fechadas com pregadores de roupa. Em algum momento, as flexíveis ficaram de pé sozinhas exatamente como as caixas de cereais, ganharam sistemas de abertura como zíperes, fitilhos, adesivos e válvulas dosadoras com tampas ou selos vedantes. O armário da minha casa, comparado à lembrança do armário da minha mãe, quase não tem vasilhames com produtos a granel.
Também não me lembro de embalagens perolizadas, metalizadas, matte, holográficas ou super coloridas. Era tudo muito monocromático, com pouco brilho, impresso em plástico transparente, celofane ou papel. Hoje, trabalhando como profissional de embalagem, vejo todos os anos na última década, materiais (sintéticos ou biomateriais) de embalagem que sequer ouvira falar no ano anterior.
O presente-futuro me parece um replay do que aconteceu na minha casa, enquanto garoto, convivendo ao lado dos meus pais e irmãs. Estarei ouvindo música em alguma evolução de streaming, enquanto me dou ao trabalho de fechar um pacote de embalagem de biscoito resselável e mantenedor de crocância. Minha esposa (bem mais avançada que eu nas novas tecnologias, admito) estará incomodada com a geladeira smart, que não recebeu a mensagem do pote de sorvete para que diminuísse a temperatura do freezer e deixou o mesmo derreter.
No quarto, ouvindo sabe-se lá Deus que porcaria, estará meu filho. É hora do almoço mas respeitamos a sua privacidade: ele está imprimindo um hambúrguer na MacPrinter e tirando uma Coca “vita” do RefriMixer 2.0 (receita de fã baixada na rede social da vez). Desde que ele inale depois as vitaminas AirCentrum no borrifador do seu quarto, vamos deixar ele numa boa, afinal não somos pais tão carrascos assim. Viva a modernidade.
No fim do dia, nos esbarramos ele e eu no corredor de acesso a cozinha, um cômodo que ele raramente frequenta. Ele me flagra com um saca-rolhas na mão, procurando uma garrafa de vinho.
“- O que é isso aí na tua mão, pai? ”
“- Um saca-rolhas. Para abrir a tampa dessa garrafa aqui. ”
“- Nossa, que (completar com a gíria do momento para descrever velho e antiquado) ”.
Como diria o finado Zygmund Bauman: “Vivemos tempos líquidos, nada é para durar. Esses tempos líquidos são o que convencionamos chamar de presente.