No fim de 2021, pensando na pauta deste ano, nos comprometemos em debater eventuais soluções para dirimir a crise que, como qualquer outro setor da economia, têm impactos negativos profundos também nas indústrias gráficas e de embalagens brasileiras.
Em quase 20 anos de consultoria técnica para incremento da produtividade na impressão – o departamento “gargalo” mais corriqueiro das gráficas – podemos afirmar categoricamente que encontrar uma indústria com uma Eficiência Global do Equipamento (OEE) acima de 30% no Brasil é bem raro.
Isso significa que, em média, quando uma impressora sequer superou um terço da sua capacidade nominal, o empresário é levado a adquirir uma nova, para seguir atendendo a demanda que chega. Ou seja, onde você enxerga três impressoras rodando, é bem provável que uma ou duas dariam conta do recado, se os níveis de produtividade fossem elevados a um novo patamar.
Uma nova impressora rodando carrega consigo custos que, nem sempre, são proporcionais aos ganhos que ela gera. Um exemplo simples e até comum é que a equipe de apoio pode carecer de uma ampliação, para que possa lidar com os três a cinco acertos (setups) em média “a mais” por turno, que a impressora possivelmente fará.
Novos coloristas, auxiliares, montadores, manutencistas, movimentadores de material e programadores acabarão por engordar a folha de pagamentos e, no entanto, ainda se corre o risco de que tenham certa ociosidade, até que mais carga ou novos equipamentos possam balancear a demanda por serviços.
O efeito, neste caso, é que as áreas de suporte deverão multiplicar seus esforços para atender ao crescimento do parque industrial, podendo criar letargia no processo – acertos mais demorados e um aumento expressivo de apontamentos do tipo “aguardando colorista” ou “aguardando colagem”.
Costumamos dizer que, em termos de produtividade, a efetividade total global da área de impressão (do inglês TEEP, Total Effectiveness Equipment Performance) assume basicamente três perfis distintos:
– Empresas que pendem mais para uma disponibilidade (tempo disponível para produzir) ruim, por conta geralmente de excessivas paradas por quebra e manutenção corretiva dos equipamentos (máquinas velhas e/ou em mau estado de conservação) e tempos de acerto morosos;
– Empresas que pendem mais para uma performance (velocidade de virando) ruim, por conta geralmente de problemas com a qualidade de matérias-primas e ferramentais em uso, baixa qualificação dos operadores, lotes muito pequenos e/ou uma carteira muito heterogênea de produtos;
– Empresas que pendem mais para uma qualidade (produtos em conformidade com as especificações do cliente) ruim, por conta de problemas como a baixa qualificação dos operadores, desalinhamento de informações entre a área de qualidade, o setor comercial e a fábrica, uma análise crítica inexistente ou ineficaz e/ou pouca presença da liderança no “pé da máquina”.
Cada linha de produção terá uma inclinação a um destes três perfis e, no final das contas, o setor ou processo em questão acaba sendo o vetor resultante disso tudo.
É impossível fazer um trabalho sério e de resultados no âmbito da produtividade – especialmente numa atividade tão naturalmente complexa quanto a impressão – sem ter um diagnóstico claro destes perfis por máquina, turno e família de produto.
Este é o primeiro grande desafio das indústrias gráficas e convertedoras. Diagnosticar com precisão exige um processo de apontamentos de produção e perdas assertivo. Pouquíssimos tem um apontamento confiável.
Na cabeça da maioria dos operadores, há um conflito entre produzir e apontar. As atividades não são vistas como intrinsecamente conectadas ou mesmo indissociáveis. E a razão disso é porque a supervisão jamais explica adequadamente que os dados gerados são a melhor ferramenta disponível para atenuar o esforço físico e mental deles mesmos cotidianamente.
Um setup demorado, para a maioria dos operadores e auxiliares, é um fardo. Um problema aparentemente insolúvel, que gera uma parada de máquina de horas, com sucessivas tentativas e erros e um volume estrondoso de aparas não é bom para ninguém. Os operadores sabem que estes eventos minam a sua reputação profissional no ambiente de trabalho, colocando o emprego à prova. Assim como sabem que manter um emprego bom e uma carreira sólida é literalmente uma dança das cadeiras.
Com os dados gerados nos apontamentos, desde que empregados bons métodos (ferramentas da Produção Enxuta e de Análise e Solução de Problemas), é possível poupar tempo e esforço valiosos e tecer estratégias para maximizar a produtividade.
Exemplificando de uma forma mais simples, aquele trabalho de repetição que se perde toda vez uma manhã para atingir a cor do padrão trocando e destrocando anilox poderia ser evitado, ao se avaliar no Pareto dos apontamentos de parada daquele equipamento que o “tempo de acerto de cor” vem piorando sistematicamente nos últimos meses em todos os trabalhos que usam um determinado conjunto de anilox, indicando um eventual desgaste ou entupimento dos alvéolos que requer maior atenção.
Sem os referidos dados e análises, o impressor, o auxiliar e o colorista continuarão despendendo sucessivas horas trocando e destrocando anilox, substituindo as tintas por outros lotes ou mesmo adicionando pastas, quando não regravando clichês e os remontando com outras fitas adesivas dupla-face, sem sucesso.
Em sistemas de impressão mais complexos (isto é, com um maior número de variáveis), como é o caso da flexografia e da offset, produzir sem dados é trabalhar no escuro.
Apontamentos confiáveis ainda não são o bastante. Talvez, o mais difícil e demorado seja implantar uma cultura “liderada pelo operador” (operator-led culture). Isso quer dizer que a relação do operador com a sua máquina deve evoluir para algo como o “gestor da linha”. Ele passaria, portanto, a se auto gerenciar em nível operacional (condução do equipamento) e também no nível tático (avaliação conjunta com o departamento de manutenção e áreas de apoio para reduzir ou eliminar barreiras ou restrições à produtividade da sua linha, executando desde a análise técnica até o plano para a sua implementação).
– Por que é tão difícil fomentar uma cultura como essa na indústria gráfica e convertedora?
Primeiramente, porque o setor de recursos humanos não atua de forma estratégica. Não se despende tempo e atenção em processos-chave como o desenvolvimento profissional dos colaboradores (treinamentos e mentoria), atração e retenção de talentos e melhora do clima organizacional.
Somado à deterioração dos salários no setor gráfico, temos como resultado um turnover elevado (principalmente o voluntário) e uma dificuldade enorme de reposição do quadro. Com nenhum treinamento específico, não é incomum vermos auxiliares com duas ou três semanas na função e sem nenhuma experiência prévia ocuparem o posto de impressor flexográfico, em máquinas gearless sofisticadas, cobrados a produzir impressos com alto nível de exigência técnica e dos clientes – em muitos dos casos, multinacionais líderes no setor de bens de consumo de giro rápido com critérios de qualidade referendados globalmente.
O preço a se pagar é a desistência no meio do caminho (turnover) ou a erosão da qualidade, expressa no aumento gradual das aparas e das devoluções e, com sorte, numa redução importante do OEE das linhas.
Tudo está interconectado. Salários baixos e a pouca importância do elemento humano nas indústrias gráficas e convertedoras é um reflexo da visão do empresário médio, super tecnicista: acredita-se piamente que a alta tecnologia embarcada nas máquinas e nos sistemas é suficiente para se obter o sucesso. Muito pelo contrário. Quanto mais avança a tecnologia, mais vital se torna a formação e manutenção de uma equipe dinâmica, criativa, técnica e engajada, para não ficar à mercê dos bugs, conflitos, quedas do sistema e visão engessada dos números e dos algoritmos, por mais orgânicos e inteligentes que sejam.
Parte deste pragmatismo financeiro pode ser explicado pela situação que o setor gráfico e de embalagens sofre já há algum tempo: a progressiva comoditização de seus produtos e serviços. Em sendo um negócio de alto risco e margens estreitas, falar de temas como inovação, retenção de talentos, capacitação e tecnologia é adentrar um terreno espinhoso.
Uma guinada à produtividade começa, por mais incrível que pareça, na valorização do seu produto ou serviço da empresa para os seus colaboradores e clientes. Todos precisam estar convictos da essencialidade da sua atividade: cada minuto conta.
A pandemia, neste sentido, ajudou bastante. A sociedade sentiu na pele a falta de itens nos supermercados. Muitos deles não tinham a possibilidade de serem escoados por falta de matérias-primas para a fabricação das suas embalagens (vide a falta de garrafas de vidro, por exemplo). Mas sem uma campanha ostensiva e coordenada a nível mundial sobre a importância do impresso, do rótulo e da embalagem, a população se esquecerá rapidamente, assim como os clientes. Voltaremos ao costumeiro leilão de preços.
Ao invés destas ações integradas, os embates sempre giram ao redor da sustentabilidade. Todo mundo buscando um vilão material para culpabilizar pelos problemas ambientais, em detrimento à revisão de temas mais sensíveis como educação ambiental, coleta seletiva, economia circular e estímulos ao empreendedorismo verde.
Este hábito de procurar culpados é outra coisa que precisa ser eliminada do chão-de-fábrica se quisermos, de fato, aumentar a produtividade. A busca por culpados antagoniza com a busca pela causa raíz dos problemas e toda a cultura Kaizen (melhoria contínua, cooperação e grupos de trabalho pró-qualidade) e os pilares da Produção Enxuta. Aquela devolução que gera a devolução e a demissão de fulano, ao invés de uma ação de melhoria com treinamento, PDCA e a busca pela eliminação completa da possibilidade de sua recorrência futura silenciará os demais colaboradores por um bom período de tempo.
Cicrano vai esconder o defeito, não vai marcá-lo com bandeirolas coloridas, não registrará na ficha de apontamentos e, se o cliente não devolver ou reclamar, o ímpeto de produzir com qualidade se esvairá.
Embora pareça um tanto básico, não podemos nos eximir de pontuar a importância da definição de metas de produtividade e controle do processo. Metas arrojadas, mas factíveis, claras e apresentadas periodicamente num sistema de gestão à vista com a máxima governança possível.
Se um programa de produção advindo do PCP não registra quando um acerto deve iniciar e finalizar, cada operador o conduzirá da maneira que julga correta ou conveniente. Isso vale para o controle do processo. Quantas ordens de produção de trabalhos novos deram certo da primeira vez? E quantas deveriam ter dado, de acordo com a meta?
Qual o percentual de variação aceitável nos atributos das tintas formuladas e enviadas à máquina impressora? Ou das fôrmas de impressão?
A velha máxima de “quem não mede, não controla” deveria ser uma frase com letras garrafais impressa num banner no meio da fábrica, principalmente no setor de impressão.
O último empecilho para o aumento da produtividade é o custo de dizer não sei. Todos os dias, colaboradores sentem medo de se expor e dizer ao seu supervisor ou supervisora imediato “eu não sei”. Isto é reflexo do ambiente que busca culpados ao invés de encontrar soluções definitivas para os problemas. Certamente que o ambiente cada vez mais hostil dos mercados e a sociedade em geral cada vez mais “à beira de nervos” tem sua parcela de culpa.
Por este motivo, uma liderança presente e comunicativa é indispensável. Ouvir empaticamente, conversar e acompanhar colaboradores individualmente e em equipes a todo instante é a pedra basilar na construção deste sólido edifício chamado “Produtividade”.
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