Nos últimos dias, a Secretaria da Educação do Governo do Estado de São Paulo, na pessoa do secretário Renato Feder, anunciou que não irá aderir ao material do Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD) do Ministério da Educação. A decisão é válida a partir de 2024, de modo que, no ano que vem, estudantes do Ensino Fundamental I (neste caso, ainda com suporte do material físico) e II e Ensino Médio (em sua totalidade) usarão material digital desenvolvido pela Secretaria do Estado, e não mais livros físicos fornecidos pelo MEC.
Desde então, educadores e entidades ligadas à Educação e ao Livro Didático têm manifestado preocupação sobre a decisão que, entre outros possíveis danos, pode ampliar o abismo existente entre a realidade educacional do ensino público e privado no país.
A ABIGRAF, juntamente com outras entidades que trabalham em prol do livro e da leitura para diferentes finalidades, e que acredita firmemente que a educação é o único passo possível para o desenvolvimento salutar de uma nação, une-se à corrente daqueles que se preocupam e, mais do que isso, se opõem a tal decisão.
A associação fez parte, nesta semana, na organização de um formal manifesto, que será enviado ao governo de São Paulo, à Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e demais órgãos competentes, no qual se esclarecem vários pontos de vista e explicações que embasam a posição de se opor a essa medida. Deste manifesto, que segue abaixo, na íntegra, fazem parte as seguintes entidades: ABIGRAF NACIONAL / ABIGRAF-SP / SINDIGRAF-SP / ABRELIVROS / SNEL / CBL / ANL / IBÁ / ABRO / AFEIGRAF / TWO SIDES / ANDIPA / SINAPEL.
MANIFESTO: CADEIA PRODUTIVA DO LIVRO DIDÁTICO
São Paulo, 03 de agosto de 2023,
A CADEIA PRODUTIVA DO LIVRO DIDÁTICO, em seu amplo universo, por meio de Notas e pronunciamentos vem externando indignação generalizada em relação à decisão do Governo do Estado de São Paulo de não aderir ao PNLD – Programa Nacional do Livro Didático, instituído pelo Governo Federal na primeira metade do século 20, sem vinculação de qualquer natureza política, com capacidade para atender, de forma gratuita, regularmente, todas as escolas das redes federal, estadual e municipal com livros e obras didáticas direcionadas ao ensino fundamental, médio e para a educação de jovens e adultos.
Ao desvincular-se do PNLD, o Governo do Estado de São Paulo, por meio de sua Secretaria de Educação, abre mão de receber mais de 10 milhões de livros didáticos impressos em 2024 para os alunos de sua rede escolar do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental II, sendo que a substituição pelo meio eletrônico (digital) pode alcançar até 28 milhões de exemplares se considerados também aqueles do Ensino Médio e os adquiridos diretamente pelo governo paulista. A decisão da Secretaria de Educação, a julgar pelas diferentes manifestações públicas e editoriais, veiculadas na mídia nacional, obteve unanimidade contra por, segundo diferentes especialistas, situar-se na contramão do que se verifica em diferentes países e organizações nacionais e internacionais especializadas em educação, no que se refere ao uso de meios eletrônicos como computadores, tablets, aplicativos e plataformas tecnológicas nas escolas.
Os livros distribuídos pelo PNLD, financiados pelo FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação não são escolhidos ao acaso, ao contrário, são obras com conteúdos adequados, de autores qualificados, professores, com vinculação direta aos objetivos pedagógicos, pois visam preparar os alunos para as etapas seguintes de sua vida escolar e profissional. A decisão de editar um livro no âmbito do PNLD e distribuí-lo gratuitamente às escolas de todo o Brasil não se dá segundo ideologias, pois, como é de notório conhecimento, as obras são preliminarmente submetidas ao exame de especialistas comprometidos com a educação, sem nenhum outro interesse.
A grande mídia destaca, inclusive por meio de editoriais, que a decisão do Governo do Estado de São Paulo, de abolir livros didáticos impressos no transcurso da aprendizagem, no âmbito da rede pública, é uma violação ao bom senso, restando acrescentar que escolas privadas, de primeira linha, no mesmo Estado de São Paulo, se utilizam de obras didáticas impressas e catalogadas no PNLD.
A grande mídia destaca, também, e critica, qualificando como simplório, o argumento usado pelo Secretário da Educação do Estado de São Paulo, que resumiu a decisão de seu governo por meio da inusitada justificativa: “A aula é uma grande TV, que passa os slides em Power Point, alunos com papel e caneta anotando e fazendo exercícios. O livro tradicional sai.”
O Brasil, em face da surpreendente decisão do Governo de São Paulo, coloca-se contrariamente ao que ocorre no mundo, com risco de cair em descrédito em decorrência de uma decisão equivocada, que não representa a posição do mundo educacional do País, nem de toda e qualquer cadeia produtiva do livro impresso nas gráficas nacionais. Exemplo mais recente do novo viés internacional vem da Suécia, país cujo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é 0, 947, um dos 10 maiores do mundo, que adotou nova postura em relação ao digital no universo educacional, passando a adotá-lo como um recurso adicional, extra, mantendo em primeiro plano o livro impresso, que dentre inúmeras qualificações tem o condão de estimular o hábito da leitura, essencial em nosso País, que ainda registra, mesmo em um Estado como São Paulo, elevados índices de desigualdade social.
Além das incontáveis manifestações de especialistas no mundo educacional, que acreditam na educação cuja nobreza vai muito além do que sugere as redes sociais, há em paralelo um universo econômico cuja evidência maior é a longa cadeia produtiva que incorpora autores, escritores, editoras, indústrias fabricantes de papel, insumos e maquinário, além de produção e impressão gráfica, ou seja, tudo o que é necessário para que ao fim chegue às mãos de alunos e professores o conteúdo inscrito de modo indelével, como imaginou Johannes Gutenberg no século 15. Certamente, esta medida sem um prévio e amplo debate com a sociedade civil e suas entidades representativas, causará além do enorme prejuízo educacional aos nossos jovens, um impacto extremamente negativo na economia do estado, pois acarretará níveis elevados de desemprego e desindustrialização.
O hábito da leitura em livros impressos, liberta e abre portas. Pássaros têm asas. Homens têm livros. Ler é descobrir-se e descobrir o mundo e ajudar a construí-lo com mais justiça, respeito, verdade e cultura. Neste sentido, é importante destacar que existem pesquisas realizadas e disponibilizadas por diversos e renomados profissionais e institutos, que comprovam que a assimilação de informação e conhecimento por meio impresso é bastante superior àquela obtida por equipamentos eletrônicos.
A decisão do Governo do Estado de São Paulo vai na contramão do incentivo à leitura, que é um produto da cultura, que informa, forma, transmite experiências e amplia o espaço da existência de todos e de qualquer um. Um jovem aluno, periférico, leva o livro para casa e a cada página descortina um mundo. O histórico empresário paulista, José Mindlin, dizia: Antes do livro eu não era nada! Um livro impresso não é um mero objeto, descartável, a ser trocado por uma “tela de TV”.
O que dizer então de um livro didático, chave para o futuro da juventude de qualquer país.
A decisão de somente utilizar o chamado “material digital / eletrônico” em detrimento dos livros didáticos impressos, ao invés de sua coexistência, certamente potencializará ainda mais a lamentável e enorme desigualdade social existente em nosso país e no estado de São Paulo.
Por fim, outro ponto importante diz respeito à sustentabilidade e, neste sentido, vale ressaltar que 100% do papel fabricado no Brasil é proveniente de florestas plantadas. Assim sendo, há que se considerar o danoso impacto ambiental que será causado pela substituição dos livros didáticos impressos em papel, que são de fontes renováveis, recicláveis e biodegradáveis, pelos equipamentos eletrônicos.
Senhor Governador:
Confiantes na sensibilidade social de Vossa Excelência, as entidades que subscrevem este Manifesto esperam, com respeito e humildade, que a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, suspenda a medida anunciada e inicie conversações objetivas e profissionais com o universo educacional de São Paulo, de todo o País, e com Organizações Internacionais que se dedicam ao relevante e sensível tema, na direção e no sentido do que anseia o futuro do Brasil.
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