Confessamos aos leitores que este tema já configurou em nossa pauta anual diversas vezes, porém sempre demos um jeito de fugir dele, substituindo por algum assunto menos “espinhoso”. A bem da verdade, nesta quase década e meia dedicada à consultoria e ao treinamento de profissionais e empresas ligadas às embalagens flexíveis, etiquetas e rótulos, percebemos que o endereço pode mudar, mas a questão fundamental permanece a mesma: gerenciar pessoas.
Não raro, assessoramos empresas concorrentes entre si, produzindo um produto idêntico, tendo exatamente os mesmos fornecedores (tintas, chapas, substratos etc.) e com uma máquina impressora flexográfica do mesmo fabricante e modelo. Todavia, uma consegue auferir uma qualidade e performance em produção (OEE) muitas vezes acima do dobro da primeira. Milagre? Sempre costumamos dizer que os milagres até podem existir, mas nunca na pessoa jurídica.
O fato é que, em conversas corriqueiras com os donos, percebemos um alto índice de insatisfação, em muitos uma vontade de estudar robótica para, quiçá, construir “robôs impressores” e finalmente eliminar o elemento humano da equação. Falando com os operadores, também percebemos um sentimento comum de descontentamento e de solidão. Entre estes dois níveis da pirâmide, supervisores e gerentes frustrados por gastarem, dia após dia, sua saliva explicando como a coisa deve ser, mas encontrando resistência, indiferença ou incompreensão de seus comandados.
Este hiato entre o chão-de-fábrica e a cadeia de comando é, possivelmente, um dos maiores causadores de aparas, quebra de máquina, danos aos cilindros, setups elevados, devoluções de clientes, processos trabalhistas, afastamentos e assim por diante. Afinal, o que poderíamos fazer para mitigar todos estes problemas?
Intentamos neste artigo, que elegemos suficientemente importante para configurar como assunto da capa, compartilhar algumas experiências e pontos de vista que possam, de alguma maneira, auxiliar o interessado leitor a uma reflexão mais calma e profunda do seu ambiente empresarial.
Três momentos críticos e pouca ou nenhuma atenção dada
Toda empresa possui, de forma mais ou menos parecida, três processos decisórios ligados à gestão de pessoas num instante inicial: seleção de pessoal, treinamento e desenvolvimento (a chamada integração) e orientação e ajustamento.
Na seleção de pessoal, exige-se normalmente um estudo apurado das premissas para ocupação racional de um determinado cargo, há uma avaliação das características dos candidatos que pleiteiam este cargo e filtra-se, por fim (com adoção de determinadas ferramentas e critérios), o candidato mais apto à função.
A primeira questão em aberto é a “qualidade” dos processos de seleção de pessoal realizados pelas indústrias de embalagens flexíveis. Apenas como exemplo, há pouco menos de dois anos começamos, com o apoio de um de nossos clientes de consultoria, a selecionar coloristas com experiência mediante testes práticos de acerto de cores. O objetivo era identificar profissionais com conceitos de colorimetria adequados, que pudessem ser posteriormente capacitados em termos de assertividade e performance.
Uma prova prática muito simples, em bancada, onde cada candidato teria todas as bases à disposição e as ferramentas adequadas (extensor, misturador etc.) para realizar, num espaço de tempo indefinido (porém cronometrado), o acerto de um certo número de cores, boa parte delas, cores tradicionalmente encontradas no portfólio de produtos impressos deste cliente.
Os resultados foram impressionantes. Mais de 90% dos profissionais experientes não tinham a menor ideia acerca dos conceitos elementares de colorimetria. Gente com currículo invejável, alguns deles coloristas “chefes” em in plants de fornecedores de tintas eram nada mais, nada menos do que verdadeiros ‘alquimistas” sem critério que, no instante em que fossem contratados, não cumpririam as metas esperadas de tempo de acerto, retorno de tintas e qualidade / consistência das cores em relação aos padrões aceitos pelos clientes finais.
Todavia, eles seriam muito provavelmente rotulados como incapazes e todo o sistema de acerto de cores seria posto à luz da dúvida e enfrentaria uma baixa abrupta da sua confiabilidade em relação ao setor de impressão. O problema originou-se na condução dos processos de recrutamento e seleção, você concorda?
O segundo método para assegurar a execução eficiente de um trabalho é ensinar e adaptar os empregados nas habilidades ou nos conhecimentos requeridos pelo cargo. Por um período de alguns meses, o novo colaborador precisa receber orientação e acompanhamento (follow-up).
Bem, praticamente em todos os projetos de assessoria no chão-de-fábrica, especialmente nas convertedoras de flexografia, encontramos ajudantes, com pouco ou quase nenhum treinamento, rodando máquinas gearless importadas caríssimas e ultra sofisticadas. Máquinas aliás, cuja IHM (Interface Homem-Máquina) sequer fora totalmente traduzida para o português!
Ora, como podemos exigir metas de produtividade, conservação do equipamento, qualidade de rotogravura na flexografia e tudo o mais, se não treinamos devidamente a equipe? Gente que, muitas vezes tem um nível de escolaridade baixo poderá interpretar com clareza os termos técnicos em inglês de um sistema de vídeo inspeção de última geração?
Mais uma pista da lacuna que vai, pouco a pouco, se formando entre a gerência e o chão-de-fábrica.
Falar de motivação é algo muito complexo e, na maior parte das vezes, aborda-se o tema de forma rasa nas palestras motivacionais, mostrando-se quando muito a pirâmide de Maslow. A teoria das necessidades de Maslow é muito importante, sem dúvida, para servir de base à compreensão de que, enquanto seres humanos, almejamos um conjunto “mínimo” de coisas que possam nos assegurar bem-estar físico, emocional e social para seguir adiante.
Porém não podemos negar que diferentes pessoas são motivadas por circunstâncias distintas.
Muitas decisões industriais surgem da necessidade de avaliar e atuar sobre opiniões ou percepções de grupos. Coloristas, inspetores de qualidade e impressores avaliando um impresso durante uma aprovação é um ótimo exemplo disso. Às vezes, isto requer uma habilidade do gestor na solução de conflitos de grupos.
Comunicação é a alma do negócio, pois “quem não se comunica, se estrumbica”
Boa parte dos conflitos nas diversas áreas de uma empresa referem-se à ausência ou percepção diferente dos colaboradores em relação a uma determinada mensagem. A exatidão nas comunicações implica não somente na transmissão fiel da mensagem, como também na transmissão fidedigna dos propósitos e significados intencionados pelo emissor.
Tudo isso se agrava em função das diferenças culturais e de formação entre o emissor e o receptor da mensagem – supervisor e gerente em relação ao chão-de-fábrica, por exemplo.
Outro ponto crítico, que afeta especialmente a indústria brasileira e a qualidade das relações empregador x empregado é o contexto político de viés Marxista imputado à sociedade: “Como é possível falar de união social, paz, valores e objetivos comuns quando aqueles que estão no topo não têm nada em comum com os que estão embaixo? ”
Estes valores apenas fomentam uma distância cada vez maior entre a alta direção e os colaboradores, dificultando o alinhamento da comunicação e abrindo espaço para oportunistas e mal-intencionados.
Mas não devemos nos abster da culpa. A comunicação ineficiente, a despeito das adversidades, é culpa de todos nós. Ela deve ser muito mais íntima do que papéis colados nos quadros de metas da empresa e muito mais esclarecedora do que os cinco minutos dedicados pelo supervisor ou líder durante a passagem de serviço entre dois turnos.
A motivação na empresa
Um velho ditado de origem desconhecida diz que “Pode-se levar um cavalo à água, mas não se pode leva-lo a beber”. Você ou eu podemos ter, neste momento, todas as qualidades necessárias para desempenhar uma função ou cargo, ter ao alcance todas as ferramentas necessárias para tal, inclusive um ótimo ambiente de trabalho…
…, mas isto não garantirá, de antemão, que executemos a contento nossa tarefa.
A misteriosa qualidade que nos leva a empreender a ação para executar a tarefa é o que estudamos quando tentamos compreender a motivação humana no ambiente organizacional. Grandes estudiosos como Mayo e Greenfield contribuíram sobremaneira neste campo e sugerimos que o leitor mais interessado busque maiores informações sobre a obra destes dois estudiosos.
Os cinco perfis das empresas para a motivação
Basicamente, observamos cinco tipos de empresas em relação à forma como criam motivação e a fazem permear o ambiente e as inter-relações de seus colaboradores:
a) Seja forte
A forma mais tradicional de motivação numa empresa dá ênfase à autoridade. Isso significa “forçar” as pessoas a trabalhar sob ameaça de serem despedidas se não o fizerem. A base desta abordagem é o pressuposto de que o único motivo que leva pessoas ao trabalho é o dinheiro (Homo Economicus) – elas trabalharão e cumprirão suas metas com medo de perder o emprego. Também pressupõe que todo mundo detesta seu trabalho e farão o menos que puderem, a menos que haja uma supervisão rígida. Os empregados são contratados para trabalhar, não para pensar.
Desde que iniciamos como consultores neste mercado, este foi um dos perfis mais vistos na indústria de embalagens flexíveis. Poderíamos enumerar um conjunto infindável de argumentos para dizer o quão desconectado da realidade atual o modelo está, especialmente ao comportamento das novas gerações Y (Millenials) e Z .
Uma parcela expressiva do característico turnover elevado (rotatividade de pessoal) da nossa indústria deve-se não só aos salários relativamente baixos em relação a outras áreas da atividade econômica, mas também a este modelo antiquado de gestão. Este modelo favoreceu o crescimento dos sindicatos.
b) Seja bom
Algumas empresas adotam um modelo mais paternalista, procurando elevar o moral do empregado mediante boas condições de trabalho, benefícios adicionais, serviços para empregados, salários elevados e uma supervisão justa. Normalmente, este é o modelo padrão de boa parte das multinacionais na área de embalagens flexíveis e rótulos – removendo algumas das inconveniências da abordagem autoritária, mas ainda não é capaz de garantir a motivação dos colaboradores no médio e longo prazo.
c) Barganha implícita
Neste sistema a empresa encoraja os operários a produzirem um razoável volume de trabalho, acertando um acordo e, em troca, proporcionando uma supervisão mais amena.
Se você trabalhar mais do que a média, poderá gozar de certos privilégios como uma pausa adicional para um café, usar o telefone da empresa para fazer chamadas pessoais, bater o cartão de saída mais cedo etc. O supervisor concorda em não pressionar a equipe se ela concordar em não restringir a produção. Especialmente quando há sindicatos atuantes no chão-de-fábrica, estas indulgências podem virar moeda de troca na necessidade de aumento da produção e acabam comprometendo também a relação entre patrão e empregados.
d) Competição
Motivação utilizada com aumento de salários, promoções, bônus etc., é mais eficaz entre grupos que entre indivíduos, pois nem todos estão igualmente interessados em progresso ou desfrutam do mesmo grau de ambição. Em algumas atividades, é difícil medir quem foi mais bem-sucedido, uma vez que é impossível identificar a produção de cada empregado.
O modelo só funciona com uma certa dose extra de encorajamento e há uma linha tênue entre o incentivo e a pressão, o que pode acarretar em frustração generalizada e gerar, de forma antagônica, desmotivação.
e) Motivação interiorizada
Esta abordagem procura proporcionar oportunidades de satisfação das necessidades mediante execução do próprio trabalho e, assim, interiorizar a motivação de modo que as pessoas apreciem fazer um bom trabalho. Quanto melhor fizer o empregado, mais alto o nível de satisfação no trabalho ele alcança.
De muitos pontos de vista, é a ‘melhor” forma de motivação, uma vez que proporciona a maior oportunidade para os indivíduos satisfazerem suas necessidades e desenvolverem suas personalidades, mas raramente pode ser aplicada sozinha, e é consideravelmente mais apropriada a alguns tipos de pessoas e trabalhos do que a outros.
Nós, particularmente, acreditamos que o modelo adequado de gestão seja um híbrido destes quatro: a firmeza da liderança quando cabível, o paternalismo especialmente na fase de integração e superação da curva de aprendizagem, a barganha implícita e o estímulo à competitividade – todos somados a um esforço consciente da alta direção para que os colaboradores atinjam a motivação conseguindo entregar um bom trabalho.
A importância de metas coerentes
Além da comunicação eficaz, um dos pontos que pode simplesmente desmotivar ou encher de alegria e entusiasmo todos os colaboradores é a definição de metas claras, alcançáveis e sobretudo, convergentes umas em relação às outras.
Não raro vemos casos de metas que se sabotam, a exemplo daquela convertedora que elenca como prioridade ao seu departamento de tintas o “retorno de máquina zero”, mas não atrela este objetivo ao tempo de setup e o tempo parado por problemas ligados à tinta.
Fixar uma meta de metros lineares mensais faz sentido somente quando os setores fornecedores da impressão (clicheria, tintas, manutenção, colagem etc.) compartilham do mesmo intento – caso contrário, o impressor – que não tem culpa sozinho das condições precárias do equipamento ou dos insumos que recebe deve desmotivar-se, ao passo em que vê sua meta, por mais que se esforce em busca-la, sempre distante.
A gestão visual das metas e indicadores é muito importante e atribui a transparência necessária para que a equipe possa inclusive questionar ao superior em caso de dúvida.
O poder de cultivar bons hábitos
Recentemente li o livro de Charles Duhhig intitulado “O Poder do Hábito”. Um livro brilhante sobre a ciência do hábito e como substituir maus hábitos por bons, na vida pessoal e profissional. Uma das frases que mais me marcou foi “Rotinas criam tréguas que permitem que o trabalho seja feito”.
No capítulo em que este ponto é abordado, há uma passagem que se encaixa em nossa busca pela motivação e produtividade dos colaboradores e conecta o livro ao tema deste artigo:
“Em algum lugar no seu escritório, enterrado numa gaveta da mesa, provavelmente há um manual que você recebeu no primeiro dia de trabalho. Ele contém formulários e regras sobre férias, opções de seguro e o fluxo organizacional da empresa. Possui gráficos em cores vivas descrevendo diferentes planos de saúde, uma lista de telefones importantes e instruções de como acessar seu e-mail ou inscrever-se no plano de aposentadoria. Agora, imagine o que você diria a um novo colega que pedisse conselhos sobre como se dar bem na sua empresa. Provavelmente não incluiriam nada que constasse no manual da empresa. Em vez disso, as dicas que você transmitiria – quem é de confiança; quais secretárias tem mais influência que os chefes; como manipular a burocracia para conseguir alguma coisa – são os hábitos de que depende todo dia para sobreviver. Se pudesse de algum modo fazer um diagrama de todos os hábitos no trabalho – e as estruturas informais de poder, relacionamentos, alianças e conflitos que representam – e então sobrepor seu diagrama aos diagramas desenhados pelos seus colegas, isso criaria um mapa da hierarquia secreta da sua empresa, um guia de quem sabe fazer as coisas acontecerem e quem parece nunca estar à frente. ”
Boa parte destes hábitos nocivos são fruto de uma situação extrema que ocorreu na história da empresa. Um corte de pessoal, alguém que foi punido justa ou injustamente, uma mudança de comando, um choque cultural após uma fusão ou aquisição e assim sucessivamente… mesmo uma consultoria (boa ou ruim) pode influenciar muito neste processo de formar novos hábitos organizacionais.
No chão-de-fábrica isso acontece com mais frequência ainda. Basta algum chefe dizer que determinada fita dupla-face não é adequada e pronto: nunca mais se utilizará o produto. Basta um gerente informar que a máquina tem de estar limpa e zás! – “parada para limpeza” terá um impacto tão grande ou maior do que o tempo gasto para efetuar setups.
Ser um bom gestor é identificar estes hábitos nocivos e substituir por outros, saudáveis não apenas à organização, mas ao convívio e motivação da equipe.
Programas motivacionais
Algumas das maiores empresas do mundo na área de bens de consumo de giro rápido (P&G, Unilever, J&J etc.) possuem programas motivacionais aos seus trabalhadores no chão-de-fábrica com o conceito “mini business”. Programas onde o trabalhador é o “dono” da sua máquina e cada uma das máquinas da fábrica, uma microempresa.
Nestes programas, cada pequeno grupo de funcionários – geralmente a tripulação de máquina em cada um dos turnos de trabalho – vivencia a experiência de administrar, liderar e competir no mercado (superando as metas de produção acordadas entre todos) em prol de recompensas, normalmente bônus associado à outras pequenas indulgências. O grande benefício deste modelo de programa é justamente diminuir a lacuna entre a gerência e os comandados. Os supervisores agem como verdadeiros consultores organizacionais às equipes, auxiliando e orientando em suas estratégias para vencer o mercado e os competidores.
A ProjetoPack possui o seu programa motivacional “modelo” – alcunhado de PackagingToWIN, que pode ser implantado com o apoio da direção e recursos humanos da empresa em até um ano corrido (maiores informações por e-mail em [email protected]).
Últimas palavras
É hora de fazer aquele bom e velho wrap-up. Motivação, afinal, não é um bicho-de-sete-cabeças! É preciso começar a busca-la aprimorando três processos fundamentais:
1. Recrutamento e seleção;
2. Treinamento e desenvolvimento;
3. Orientação e ajustamento.
Depois, devemos perseguir a fase dois, melhorando os processos internos de comunicação e a transparência, especialmente na definição das metas individuais e coletivas.
Metas que, por sinal, devem ser 100% convergentes, de forma que possa ocorrer um engajamento pleno na empresa e não uma série de grupos defendendo suas posições e prejudicando as demais.
É preciso mudar a forma de pensar, o modelo de gestão que busque a motivação pela execução do trabalho e não somente com viés financeiro, competição por sobrevivência ou um paternalismo excessivo.
Neste instante, é preciso auditar os hábitos nocivos que permeiam o chão-de-fábrica, substituindo gradualmente cada um deles por hábitos novos e sadios, orientados principalmente para a produtividade da equipe.
Enfim podemos colocar algum esforço num belo e completo programa de motivação, para perenizar as conquistas – um programa sustentável, que além de buscar a motivação, aproxime cada vez mais gerência e comandados.
Nada disso funcionará bem se não tiver, à frente de todo este processo, um ou mais líderes conduzindo e puxando os demais. Mas como identificar um líder apto para implantar isso, deixamos para um próximo artigo da ProjetoPack em Revista.
Até o próximo artigo!
Aislan Baer
Diretor
ProjetoPack & Associados
Editor da ProjetoPack em Revista